As mulheres que marcaram o cinema no Brasil e no mundo

Você sabia que, em 2021, as mulheres bateram o recorde de indicações no Oscar? No entanto, elas ainda representaram menos de 25% dos concorrentes na principal premiação do cinema. Esse é mais um sinal de como a história da indústria de filmes ainda é majoritariamente contada pelo olhar masculino. Mesmo sendo invisibilizadas, as mulheres tiveram papéis centrais no desenvolvimento e na história dessas obras, desde o seu início. 

Por isso, relembramos aqui a sexta temporada do Cinematógrafo, que deixou uma coisa clara: é impossível falar da história do cinema, sem falar delas. Conheça algumas dessas mulheres e suas incríveis contribuições para a indústria de filmes, que poucas vezes receberam o devido reconhecimento.

Alice Guy Blaché, Agnès Varda, Marina Jaspe, Glenda Nicácio e Carla Camurati

Elas na vanguarda

Quando o cinema surgiu, em 1895, poucas pessoas imaginaram que ele viria a ter um papel tão central em nossa sociedade. Sem saber o que surgiria dali, muitos não deram importância para a nova indústria que nascia. Isso atraiu para a produção de filmes muitas mulheres que, sem conseguir outros papéis de relevância na sociedade, buscaram algum destaque através do cinema. 

Uma das pioneiras nesse aspecto foi a primeira cineasta: a francesa Alice Guy Blaché. Em 1896, a então secretária estreou com o curta “A Fada do Repolho”, que é o primeiro filme de ficção já feito. “Enquanto os irmãos Lumière ainda estavam fazendo registros de ações cotidianas, ela já estava pensando numa ‘historinha’”, explicou a professora de cinema da UFMG, Roberta Veiga, ao Cinematógrafo.

Em 1906, Guy Blaché reforçou o seu lugar na vanguarda do cinema, ao lançar o filme “A Madame tem seus Desejos”. Na obra, foi a primeira vez em que o close-up (enquadramento que mostra apenas parte do objeto a ser filmado) foi utilizado para dar ênfase às expressões da personagem. A técnica foi por muito tempo atribuída ao cineasta D. W. Griffith, que só a aplicaria quatro anos após Alice. 

Com o crescimento e popularização da indústria cinematográfica, o mercado ficou cada vez mais estabelecido e majoritariamente dominado por homens. Seguindo na contramão desse viés hollywoodiano, algumas cineastas resolveram explorar outras narrativas possíveis no cinema experimental. Entre elas, a belga Agnès Varda, que foi uma das mais influentes representantes da Nouvelle Vague francesa. Ela dizia que, para ela, a câmera tinha a função de uma caneta, o rolo era o papel e com os dois juntos ela poderia contar a história que quisesse. 
No Brasil, a participação das mulheres também foi essencial para a consolidação do cinema nacional. Uma delas é a diretora Carla Camurati, que esteve à frente do longa “Carlota Joaquina: Princesa do Brazil”, de 1995. O filme foi um sucesso comercial e marcou a retomada do cinema brasileiro, com a reestruturação dessa indústria no país e os incentivos fiscais às produções nacionais.

Enquanto para as mulheres brancas já é desafiador conquistar espaço na indústria cinematográfica, para as mulheres negras, esse avanço é ainda mais difícil. No Brasil, duas delas vêm ganhando destaque na cena nacional e no cinema de gênero fantástico: Mariana Jaspe e Glenda Nicácio. Jaspe lançou em 2018 o curta “Carne”, em que um casal explora as questões raciais e de gênero. Já Nicácio vem sendo reconhecida pelo longa “Voltei!”, de 2020, em que duas irmãs recebem a visita de uma terceira irmã, que já havia morrido.

Frances Marion, Isabela Monteiro de Castro, Sofia Coppola, Kathryn Bigelow, Jane Campion

Elas em todas as profissões

Dentro da indústria cinematográfica, uma das áreas em que as mulheres são menos reconhecidas é na direção dos filmes. Em quase um século de Oscar, somente duas levaram a estatueta na categoria de Melhor Direção. No entanto, isso não significa que elas não tenham uma extensa e importante atuação nessa profissão. Alice Guy Blaché, por exemplo, dirigiu mais de mil filmes ao longo de sua carreira.

A primeira entre as diretoras a ser reconhecida pela Academia recebeu a estatueta de Melhor Direção somente em 2010. A estadunidense Kathryn Bigelow foi premiada pelo filme “Guerra ao Terror”. Além desse drama, ela também esteve à frente de outras obras de sucesso e quebrou estereótipos sexistas e racistas ao escolher Angela Basset para protagonizar a ficção científica “Estranhos Prazeres”, em 1995. “Mas é tão cruel isso, porque ela ficou mais conhecida como a ex-mulher do James Cameron, do que como uma grande cineasta”, lamentou a professora de cinema Ana Lúcia Andrade.

Outra diretora que contribuiu para dar um fim à sub-representação feminina nesta categoria foi Jane Campion. Com o premiado “O Piano”, de 1993, a neozelandesa chamou atenção para o fato de que esse talento das mulheres não deveria mais ficar escondido. Com mais abertura do mercado, uma nova geração de diretoras surge nos anos 2000. Uma das representantes desse período é Sofia Coppola, que apresentou seu ponto de vista feminino em obras como o aclamado “Encontros e Desencontros”, de 2003, e “Maria Antonieta”, de 2006.

Ao contrário do papel de direção, a montagem sempre foi muito ocupada pelas mulheres. Isso está ligado à ideia de que elas teriam mais facilidade em manipular as delicadas películas de filme, no período pré-digital. Atualmente, as montadoras continuam a ter destaque no mercado, inclusive no Brasil. Uma delas é a mineira Isabela Monteiro de Castro, responsável pela montagem de “Madame Satã”, de 2002, e “Praia do Futuro”, de 2014.

Entre os roteiristas, as mulheres também sempre ocuparam grande parte dos cargos, mas tiveram o trabalho ainda mais invisibilizado. No início do cinema, esse trabalho era pouco reconhecido, já que não havia ainda a ideia de que os filmes poderiam contar narrativas. Quando essa noção muda e Hollywood já está bem estabelecida, uma das roteiristas a se destacar foi Frances Marion. Ela ganhou dois Oscars, com “O Presídio”, de 1930,  e “O Campeão”, de 1931. Ainda hoje, Marion é citada como uma referência para os roteiristas.

Lotte Reiniger, Mavi Simão e Helena Solberg

Elas em todos os gêneros cinematográficos

O cinema de gênero também é marcado pela presença feminina e, em alguns casos, por sua ausência ao longo da história. Na terceira temporada, o Cinematógrafo explicou o que seria esse cinema de gênero e quais as características de cada tipo (confira aqui). Já na sexta temporada, o programa explorou como diferentes gêneros acabaram por ter diferentes relações com a presença feminina.

“O cinema documental feito por mulheres é tão amplo quanto é o cinema documental”. É assim que a pesquisadora Mariana Tavares resume o destaque constante que as mulheres têm nos documentários. Na vanguarda desse gênero estão os coletivos feministas da década de 70. A brasileira Helena Solberg foi uma das integrantes desses movimentos, que geraram para o cinema obras mostrando o avanço da causa nos Estados Unidos, para onde ela migrou na época. Posteriormente, a cineasta também esteve na América Latina para retratar as condições da mulher da cidade e do campo.

Por outro lado, no gênero de terror, as mulheres geralmente foram, e ainda são, representadas de forma machista. Ao longo do tempo, algumas cineastas têm ocupado mais espaço na produção desses filmes e mudado essa realidade. Aqui no Brasil, uma das responsáveis por essa transformação é a diretora de “Terminal Praia Grande”, de 2019, Mavi Simão. “Eu nunca quis fazer realismo, porque a realidade é o que a gente já vive. E fazer um filme é uma oportunidade imensa de você criar um mundo”, contou a cineasta ao Cinematógrafo.

No cinema de animação, as mulheres acabaram por ocupar papéis secundários no início desse tipo de obra. Isso porque os primeiros filmes desse gênero surgiram pelo trabalho de cartunistas de jornais, que eram majoritariamente homens. No entanto, uma animadora conquistou evidência na área ao produzir um longa-metragem somente com sombras recortadas em papel. Lotte Reiniger dirigiu “As Aventuras do Príncipe Achmed”, em 1926, usando a técnica de silhuetas, que permanece como seu legado até os dias atuais. “Felizmente, está se percebendo que é importante diversificar os olhares, ter outras pessoas contribuindo”, concluiu a professora de cinema Ana Lúcia Andrade.

Confira abaixo a temporada na íntegra:

Veja o guia que apresenta algumas das principais mulheres que fizeram e fazem o cinema.

Mais do Cinematógrafo

  • Acompanhe a programação do Cinematógrafo, na Rede Minas, às sextas-feiras, 20h30.
  • O trabalho das cineastas nacionais também pode ser acompanhado na Faixa de Cinema, na Rede Minas. Saiba mais sobre os próximos filmes da atração aqui.
  • Encontre e assista a todos os vídeos do Cinematógrafo no YouTube. Curta, comente e compartilhe. Vida longa ao cinema!

Deixe um comentário

Categorias